Como e Quando Tudo começou
(Pr. Deneci Gonçalves da Rocha)
“Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convoco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos.”
Preliminares
Somos congregacionais ligados historicamente aos grandes pioneiros do evangelismo e do congregacionalismo brasileiros, Dr. Robert Reid Kalley e sua esposa dona Sara P. Kalley. Eles chegaram ao Brasil em 1855, localizaram-se na cidade de Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, e lá deram início à Obra Evangélica no Brasil. Esse início se deu em 19 de agosto de 1855 com a primeira Escola Dominical realizada no Brasil em Língua Portuguesa e em caráter definitivo. Sabemos que os Kalley não foram os primeiros a pregarem o Evangelho no Brasil.
Antes desse abençoado casal, várias tentativas foram feitas para a implantação da mensagem do Evangelho no Brasil. Muitos trabalhos foram feitos em língua estrangeira. Eles são chamados, e realmente o são, os pioneiros do evangelismo pátrio em Língua Portuguesa e em caráter definitivo. Foi o primeiro trabalho que começou no Brasil e continuou sem interrupção até os dias de hoje.
Pretendemos, em nossa ligeira palavra de hoje, relembrar como tudo começou entre nós e como se originou a nossa Associação de Igrejas.
1. Dias Conturbados que Prenunciavam Momentos Difíceis:
Vivíamos a década de 70. Era um tempo em que o movimento chamado de Renovação espiritual grassava em nosso País. Ecos eram ouvidos aqui e acolá sobre práticas cultuais e doutrinárias isoladas em algumas das igrejas congregacionais que denunciavam comprometimento com esse chamado movimento de renovação espiritual.
Desde essa época algumas vozes se levantaram alertando sobre os perigos que nos rondavam. Era comum ouvir-se por parte de alguns líderes que eram acontecimentos isolados e que não comprometiam de modo acentuado a União de Igrejas. Eram apenas formas cultuais que, segundo esses líderes nada tinham a ver com posições doutrinárias.
Mas os dias se foram tornando cada vez mais conturbados e, como erva daninha, ideias e colocações comprometedoras quando a formas cultuais e à doutrina do Espírito Santo foram grassando e se desenvolvendo até chegar a momentos em que se ouvia e se constatava que havia líderes comprometidos com ideias renovacionistas e neopentecostais. Eram posições que não condiziam com as práticas, costumes e posições doutrinárias que sempre caracterizaram o congregacionalismo brasileiro.
2. As Dificuldades Para Enfrentar os Momentos Difíceis que Chegaram
Infelizmente os momentos difíceis que se prenunciavam chegaram. E o que tornava as coisas ainda mais complicadas era o fato de não existir uma definição doutrinária, com princípios explicitados em documento oficial para enfrentar esses momentos difíceis.
Era e sempre foi corrente na União à afirmação de que igrejas congregacionais associadas em grupo denominacional não podiam ter princípios de doutrina que as caracterizassem por serem congregacionais e, portanto, livres para se definirem doutrinariamente.
Tínhamos apenas os 28 Artigos da Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo que, embora históricos, amados e considerados, especialmente por terem sido deixados pelo pioneiro Kalley, nada definiam em termos puramente doutrinários. Na verdade os 28 Artigos podem ter sido importantes quando Kalley os escreveu, na oitava década do século 19, quando deixou o Brasil (ao que tudo indica muito apressadamente). Mas, para os tempos atuais, com ventos de doutrina surgindo de todos os lados, os amados 28 Artigos se tornaram obsoletos e o seu valor se restringe a alguns temas importantes para estudos bíblicos. A maior prova dessa não existência de uma confissão doutrinária foi o fato de terem surgido várias decisões sobre pontos doutrinários, tomadas em Assembleias Gerais (Convenções) para serem enfrentados os momentos difíceis por que passávamos. E as coisas se foram tornando a cada dia mais difíceis. Chegamos ao ponto do surgimento até de abaixo-assinados pedindo ação da direção da Denominação sobre obreiros que estavam solapando doutrinariamente a União.
3. Um Grito Histórico que Alertava quanto à Necessidade de Aprovar-se uma Confissão Doutrinária:
A situação doutrinária se complicava a cada dia mais e mais. Ideias neopentecostais grassavam em muitas igrejas e até nos Seminários, tanto no Rio de Janeiro como no Recife.
A falta de um cuidado maior para com o corpo docente do Seminário e até para com o recebimento de alunos de grupos neopentecostais para estudarem nos próprios internatos, especialmente no Seminário do Rio de Janeiro, complicavam ainda mais a situação. Algumas vozes isoladas combatiam tais práticas, mas elas não eram levadas em consideração. O autor dessas linhas cansou-se de exortar e de mostrar os perigos de se ter em um Seminário, especialmente em regime de internato, alunos que esposavam práticas doutrinárias neopentecostais.
O Seminário do Rio de Janeiro, internato, foi solapado doutrinariamente por um desses alunos. Chegou-se a viver momentos em que os alunos, influenciados por essas doutrinas neopentecostais se mancomunavam acertando entre si que, em estudos sobre doutrina nos momentos de culto, eles nada questionariam por terem já as suas convicções, ficando completamente calados. Um diretor da época compartilhou comigo o seu espanto diante de estudos sérios feitos sobre a doutrina do Espírito Santo quando ninguém nada questionou; todos ficaram calados, como se estivessem aceitando o que se ensinava. O diretor não sabia do trato do silêncio que os alunos resolveram fazer.
Diante de tudo isto, ouve um grito. Grito que eu considero como um grito histórico e de muito valor, embora ele não tenha dado o resultado que se esperava. Parece que já era um pouco tarde para se reverter a situação. Esse grito veio através de um documento, apresentado na 42ª Assembleia Geral realizada em Águas de Lindóia, São Paulo, em fevereiro de 1993. Esse documento mostrava a necessidade de aprovarmos para a União um Documento de Definição Doutrinária. Foram momentos muitos difíceis e cruéis os que alguns líderes enfrentamos na discussão desse documento. O documento contemplava 11 pontos doutrinários sobre os quais achávamos que a União deveria tomar
1. DONS DE CURAR E CURAR DIVINA;
2. DOM DE PROFECIA;
3. DOM DE VARIEDADE DE LÍNGUAS;
4. VISÕES OU REVELAÇÕES;
5. UNÇÃO COM ÓLEO;
6. EXPULSÃO DE DEMÔNIOS OU EXORCISMO;
7. QUEBRA DE MALDIÇÃO;
8. SINAIS E PRODÍGIOS;
9. BATISMO COM (DO) ESPÍRITO SANTO;
10. CURA INTERIOR;
11. JEJUM.
Só Deus sabe a luta que se travou. Primeiramente, para provar que precisávamos de um documento que definisse esses pontos doutrinários; depois, para apenas aprovar essa relação de títulos, sem entrar no mérito da discussão doutrinária. Gastamos dois dias inteiros, quase a metade da Assembleia somente para isto. Mas, a duras penas, o documento foi aprovado.
4. O Documento Doutrinário que Foi Aprovado:
A proposta aprovada na 42ª Assembleia para que se tivesse uma definição doutrinária continha no seu bojo o processo para se chegar a essa definição. Seria através de encontros regionais, multi-regionais e um encontro nacional onde se estabeleceriam as posições doutrinárias a serem levadas para a 43ª Assembleia Geral, onde se aprovaria a Definição Doutrinária sobre os 11 pontos contidos na proposta.
Acontece que a direção da União resolveu mudar o que havia sido aprovado na 42ª Assembleia Geral, criando outras normas para a aprovação do documento. O que aconteceu
foi que, à revelia da Comissão que preparou os encontros e os textos sobre os pontos
doutrinários, a direção resolveu fazer uma consulta às igrejas.
Afirmo que foi à revelia da Comissão porque, como um dos membros da Comissão, nem informado fui sobre essa consulta. Consulta esta feita através de um formulário para definição doutrinaria, tipo prova de múltipla escolha, que tinha exatamente cerca de cinco pontos com opiniões sobre cada item, para que as igrejas apenas marcassem com um “x” a definição que aceitavam, não podendo fazer qualquer comentário sobre o assunto (A IECC de Campina Grande, que fez comentários mostrando e justificando a sua não aceitação em muitos dos itens, teve todos esses itens com observações anulados).
O Documento que foi aprovado através do que alguns consideraram como “prova de múltipla escolha” é a “Síntese Doutrinária”. Síntese que defende, entre outros princípios: A contemporaneidade dos dons de curar, de profecia preditiva e da variedade de línguas, inclusive língua ininteligível; A existência de visões e revelações; A prática da unção com óleo; A manifestação de Deus através de sinais e prodígios; A possibilidade do crente ser possesso pelo demônio. Essa definição doutrinária aconteceu na 43ª Assembleia Geral, também realizada em Águas de Lindóia-SP. Tal definição doutrinária, segundo algumas igrejas, como as nossas, desfigurava o congregacionalismo brasileiro. Diante disto, as nossas igrejas resolveram tomar uma posição definida contra a definição doutrinária que foi aprovada: ROMPIMENTO COM A UNIÃO DE IGREJAS. A posição tomada por nossas igrejas aconteceu em dois momentos históricos. Em uma Assembleia preliminar acontecida em fevereiro de 1997, quando foi nomeada uma Comissão para elaborar a nossa Constituição, a Confissão de Fé e o Manifesto Congregacional e na primeira Assembleia, realizada em 1998. Constituição, Confissão de Fé e Manifesto Congregacional foram então aprovados nesta primeira Assembleia Geral, realizada em Campina Grande nos dias 9 a 12 de abril de 1998.
Essa Assembleia foi realmente histórica por algumas razões: teve uma participação maciça dos membros de nossas igrejas; era o início de nossa Associação de Igrejas; aprovávamos o que nenhuma das igrejas congregacionais no Brasil, oriundas do pioneirismo de Kalley tem, que é uma Confissão de Fé; contamos com a presença de pastores de São Paulo e do Rio de Janeiro, embora suas igrejas não se tenham filiado à Associação. Inicialmente tivemos 10 (dez) igrejas. Três delas se desligaram. Organizamos três igrejas: Malvinas, João Pessoa e Barreiras. A Igreja mais recente inaugurada é a do Novo cruzeiro. Voltamos, assim, a ter novamente 10 (dez) igrejas.
Conclusão:
Sejam minhas palavras finais de gratidão a Deus por nos ter sustentado até aqui. Grandes têm sido as nossas lutas; mas as vitórias também. Vitórias que podem ser facilmente notadas com a continuidade da obra, apesar das lutas e dificuldades enfrentadas; vitórias que podem ser notadas com a organização de três igrejas ao longo desse período; vitórias que podem ser notadas com a criação de um Seminário, O Centro de Pesquisas e Estudos Teológicos, obra desafiadora e que só por milagre de Deus continua de pé.
Deus seja louvado por tudo que tem feito por nós.